ANEMIAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
Introdução
A anemia é a alteração hematológica mais frequente em pacientes pediátricos, afetando aproximadamente metade das crianças menores de cinco anos em todo o mundo. Sua ocorrência está associada a um aumento significativo na morbidade e mortalidade, especialmente entre lactentes e pré-escolares.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a anemia é definida como a concentração de hemoglobina no sangue abaixo de dois desvios-padrão da média esperada para a população de referência, considerando que abaixo desse nível, o suprimento das necessidades metabólicas basais torna-se insuficiente. Os valores considerados normais variam com a idade, sexo, altitude e na gestante. A tabela abaixo mostra os valores relacionados à idade:
WANG, Mary. Anemia in children. American Family Physician, v. 93, n. 4, 15 fev. 2016
Vamos discutir o tema em três partes: (1) Ciclo biológico dos eritrócitos e metabolismo do ferro; (2) Diagnóstico diferencial das anemias na infância e adolescência; (3) Profilaxia e Tratamento da Anemia Ferropriva.
Ciclo Biológico dos Eritrócitos e Metabolismo do Ferro
Ciclo Biológico dos Eritrócitos
Os eritrócitos (hemácias) são produzidos na medula óssea vermelha por meio do processo de diferenciação celular e síntese de hemoglobina, denominado eritropoiese. Após serem liberadas na circulação sanguínea, as hemácias permanecem funcionalmente ativas por cerca de 120 dias (tempo médio de vida). Ao final desse período, são removidas da circulação por meio de fagocitose realizada por macrófagos, principalmente no baço, em um processo conhecido como hemocaterese. O equilíbrio entre a produção de hemácias, sua vida útil no sangue periférico e sua destruição pelos órgãos do sistema mononuclear fagocítico é essencial para manter o organismo em homeostase, evitando o desenvolvimento de anemia.
Fases da eritropoiese:
Célula tronco hematopoiética → Célula precursora mielóide → Célula precursora eritróide (início da síntese de hemoglobina) → Proeritroblasto → Eritroblasto basofílico → Eritroblasto policromático → Eritroblasto ortocromático → Reticulócito → Eritrócito.
Regulação hormonal da eritropoiese:
A principal regulação hormonal é realizada pela eritropoetina, hormônio produzido principalmente pelos rins e responsável por estimular a proliferação e a diferenciação das células progenitoras eritroides. Além da eritropoietina, outros hormonios como os hormônios tireoidianos, corticosol e testosterona também influenciam positivamente a eritropoiese.
Nutrientes essenciais para a eritropoiese:
- Ferro: Componente essencial da hemoglobina, constitui o núcleo dos grupos Heme.
- Vitamina B12 e ácido fólico: Essenciais para a síntese de DNA durante a proliferação celular da linhagem eritrocítica.
- Proteínas e aminoácidos: Importantes para a síntese de hemoglobina e membranas celulares, enzimas, entre outros.
Metabolismo do Ferro
A deficiência de ferro afeta prioritariamente populações socialmente vulneráveis, como crianças menores de cinco anos, gestantes e indivíduos com acesso limitado a alimentos ricos nesse nutriente. Está associada a fatores como desnutrição, infecções parasitárias, multiparidade e ausência de programas de suplementação alimentar, entre outros. É a principal causa de anemia na infância, correspondendo a cerca de 60% dos casos em todo o mundo. O ideal é que a identificação da deficiência de ferro seja realizada precocemente nos primeiros estágios permitindo a introdução de medidas que impeçam a progressão para anemia, que pode trazer maiores impactos clínicos.
O ferro é um mineral essencial para o organismo, desempenhando funções vitais no transporte de oxigênio, na produção de energia e em diversos processos enzimáticos. Seu metabolismo é altamente complexo e rigorosamente regulado. A maior parte do ferro está presente na hemoglobina e na mioglobina, mas também compõe enzimas importantes, como os citocromos e as catalases.
Paralelamente à ingesta diária pela dieta, o ferro é continuamente reciclado a partir do ciclo de vida das hemácias. Após sua ingestão, ele passa por um processo detalhado até ser absorvido na circulação sanguínea. Nos alimentos, o ferro se apresenta na forma de "ferro-heme" e "ferro não-heme". O ferro não-heme é encontrado em alimentos de origem vegetal, estando predominantemente na forma férrica (Fe³⁺), que precisa ser reduzida à forma ferrosa (Fe²⁺) para ser absorvida. Essa conversão é realizada por enzimas ferro-redutases, e a secreção de ácido clorídrico pelo estômago é essencial para a solubilização dos sais de ferro e para mantê-lo na forma ferrosa, facilitando sua absorção no intestino, especialmente no duodeno. Substâncias como fitatos, polifenóis e cálcio, assim como algumas doenças (p.ex.: doença celíaca, gastrite atrófica) podem prejudicar a absorção do ferro não-heme. Por outro lado, o ferro heme, presente em carnes vermelhas, aves, peixes e ovos, é mais biodisponível pois já se encontra na forma ferrosa sendo assim, melhor absorvido.
A absorção do ferro pelos enterócitos depende de proteínas transportadoras de membrana. Na forma ferrosa (Fe²⁺), o ferro não heme é transportado para dentro das células intestinais por meio de uma proteína específica, o transportador de metal divalente 1 (DMT1). Já o ferro-heme é absorvido de forma facilitada por uma proteína chamada HCP1 (Heme Carrier Protein 1).
Dentro do enterócito, o ferro pode seguir dois destinos: (1) Armazenamento temporário: Fica armazenado na célula intestinal na forma de ferritina, proteína que atua como estoque ou reserva de ferro; (2) Liberação para a corrente sanguínea: Quando as reservas de ferro estão baixas, o mineral é transportado para fora do enterócito por meio da proteína ferroportina. Destaca-se aqui o papel da hepcidina que é um hormônio peptídico produzido principalmente pelo fígado, que desempenha uma função crucial na manutenção dos níveis adequados de ferro no organismo regulando sua absorção, armazenamento e distribuição. Ao se ligar à ferroportina, a hepcidina inibe a liberação de ferro para a circulação sanguínea, tanto a partir do intestino, quanto a partir dos estoques de ferro nos hepatócitos e macrófagos.
Antes de sair da célula intestinal, o ferro é oxidado de volta para a forma férrica (Fe³⁺) por meio da ação de enzimas ferro-oxidases. Uma vez na forma férrica, ele se liga à transferrina, proteína responsável por transportá-lo no sangue até as células que necessitam do mineral. Esse processo garante o fornecimento contínuo e eficiente de ferro para atender às demandas do organismo.
É interessante observar que é a própria necessidade de ferro do organismo que regula sua absorção. Quando as reservas estão baixas, sua absorção intestinal aumenta graças ao reajuste numérico e funcional dos transportadores de membrana. Mesmo assim, algumas vezes pode ocorrer ferropenia no organismo, por diversas causas e de forma progressiva:
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No primeiro estágio, ocorre a diminuição dos estoques corporais de ferro, especialmente nos depósitos presentes no fígado, baço e medula óssea. Esse estágio pode ser identificado pela redução da ferritina sérica e ainda não há alterações significativas na hemoglobina ou nos índices hematimétricos.
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No segundo estágio, o ferro disponível torna-se insuficiente e, embora os níveis de hemoglobina ainda permaneçam dentro dos valores normais, outros parâmetros da cinética do ferro se alteram: a ferritina sérica permanece baixa, a saturação de transferrina torna-se reduzida e ocorre aumento da capacidade total de ligação do ferro.
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Finalmente, no terceiro estágio, a deficiência de ferro evolui para anemia ferropriva. A produção de hemoglobina é comprometida, resultando em anemia microcítica e hipocrômica. O paciente torna-se mais sintomático e os exames laboratoriais mostram redução nos níveis de hemoglobina, volume corpuscular médio e hemoglobina corpuscular média, além das alterações já presentes nos estágios anteriores.
A tabela abaixo mostra uma forma mais simplificada para definir os pontos de corte no diagnóstico de anemia, a partir de 6 meses de idade, de acordo com a referência citada, da Organização Mundial da Saúde:
Diagnóstico Diferencial das Anemias na Infância e Adolescência
A anemia não é uma patologia isolada, mas sim uma manifestação clínica de um grupo heterogêneo de condições patológicas. Ela pode ser definida quantitativamente como uma redução no número de eritrócitos circulantes ou, funcionalmente, como uma condição em que a capacidade de transporte de oxigênio é insuficiente para suprir as demandas metabólicas dos tecidos. Na prática clínica, a anemia é diagnosticada com base em níveis de hemoglobina, hematócrito ou contagem de glóbulos vermelhos inferiores aos valores de referência ajustados para idade e sexo.
Causas de anemia em crianças e adolescentes
A anemia pode surgir devido a alterações em qualquer etapa do ciclo biológico dos eritrócitos:
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Metabolismo e transporte do ferro
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Comprometimento da eritropoiese
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Problemas relacionados à circulação ou perda sanguínea
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Intensificação da hemocaterese
1. Comprometimento da eritropoiese
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Deficiência nutricional: destacam-se principalmente a deficiência de ferro (causa mais comum de anemia infantil), deficiência de vitamina B12 e ácido fólico.
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Aplasia de medula, infecções (parvovírus, EBV, CMV, HIV), doenças mieloproliferativas, síndromes mielodisplásicas, síndrome de Fanconi, síndrome de Shwachman-Diamond, toxinas, quimioterápicos e outras drogas, radiação ionizante.
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Deficiência de eritropoietina (prematuridade, doença renal crônica, hipotireoidismo).
2. Problemas relacionados à circulação ou à perda sanguínea:
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Hemorragias (gastrointestinal, genitourinária, parasitoses, traumas, discrasias sanguíneas)
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Parasitoses intestinais
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Sequestro (esplênico, hepático)
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Vasculopatias
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Tromboses
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Coagulação intravascular disseminada
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Próteses cardíacas ou vasculares
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Hipermenorreia (adolescentes)
3. Intensificação da Hemocaterese:
- Hemólise por defeitos intrínsecos dos eritrócitos
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Defeitos da membrana celular (ex.: esferocitose, eliptocitose);
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Defeitos enzimáticos (ex.: deficiência de Glicose-6-Fosfato Desidrogenase; anemia sideroblástica hereditária);
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Hemoglobinopatias (ex.: anemia falciforme, talassemias)
- Hemólise por problemas extrínsecos aos eritrócitos
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Anemia hemolítica isoimune neonatal (incompatibilidade Rh, ABO, outros antígenos eritrocitários)
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Anemia hemolítica autoimune primária
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Infecções (ex.: malária, algumas infecções virais, infecções por Mycoplasma, pneumococos)
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Doenças autoimunes (ex.: lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide, retocolite ulcerativa)
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Hemólise microangiopática (síndrome hemolítico-urêmica, coagulação intravascular disseminada, vasculites, púrpura trombocitopênica trombótica)
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Medicamentos e toxinas: vários medicamentos podem causar anemia por diferentes mecanismos além da hemólise, incluindo toxicidade direta na medula óssea, interferência na absorção de ferro ou na produção de hemoglobina. Ex.: Quimioterápicos (ciclofosfamida, cisplatina, metotrexato), anticonvulsivantes (fenitoína, carbamazepina), sulfonamidas, isoniazida, trimetroprima, ceftriaxone, piperacilina, diclofenaco, entre outros.
- Hiperesplenismo
4. Anemia relacionada a doenças crônicas:
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Infecções persistentes
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Doenças autoimunes
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Doenças inflamatórias
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Doenças neoplásicas
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Doença renal crônica
Essa anemia ocorre devido a uma combinação de fatores, incluindo alterações no metabolismo do ferro, supressão da eritropoese e redução da vida útil das hemácias. Em diversas doenças e inflamações crônicas, como infecções persistentes, doenças inflamatórias, autoimunes ou neoplásicas, os níveis de hepcidina tendem a aumentar. Esse aumento excessivo da hepcidina limita a disponibilidade de ferro para a produção de hemoglobina. Consequentemente, a eritropoiese é comprometida, levando ao desenvolvimento de anemia por deficiência funcional de ferro (anemia da inflamação crônica).
Classificação das Anemias
Diagnóstico Clínico
Anamnese
A anamnese pediátrica constitui um pilar fundamental no diagnóstico diferencial das anemias infantis. Uma história clínica minuciosa possibilita a identificação precisa de possíveis causas, fatores de risco e manifestações clínicas associadas, orientando a investigação diagnóstica. É importante ressaltar que um quadro leve de anemia, frequentemente, pode cursar de forma oligossintomática em crianças. Tipicamente, os sintomas estão relacionados à diminuição do transporte de oxigênio para os tecidos, podendo manifestar-se de forma inespecífica ou mesmo sobrepor-se a outras condições comuns na infância.
Diante desse cenário, a realização de uma avaliação clínica detalhada, complementada por exames laboratoriais específicos, torna-se imprescindível para o estabelecimento do diagnóstico etiológico e a instituição de um tratamento adequado. A seguir estão os principais pontos a serem explorados na anamnese:
Identificação
- Idade: a idade do paciente deve ser considerada, pois diferentes distúrbios são comuns em diferentes faixas etárias.
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Lactentes e pré-escolares: Maior risco de anemia ferropriva devido ao rápido crescimento e alimentação inadequada.
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Adolescentes: Risco aumentado devido à menstruação ou crescimento acelerado.
- Sexo:
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Meninas adolescentes podem apresentar maior risco de anemia ferropriva por perdas menstruais.
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Meninos com anemia falciforme podem ter crises mais precoces e graves.
- Etnia:
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Algumas anemias hereditárias (como a anemia falciforme e as talassemias) são mais prevalentes em populações específicas (mediterrâneo, continente africano).
História da doença atual
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Sinais e sintomas gerais: Palidez, fadiga, irritabilidade, apatia, astenia, intolerância a exercícios físicos
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Hiporexia ou perversão do apetite (ex.: geofagia)
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Dor abdominal
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Déficit pôndero-estatural
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Atraso no desenvolvimento com comprometimento de habilidades cognitivas, comportamentais, linguagem, motricidade, desenvolvimento neurossensorial (visão e audição)
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Comprometimento da imunidade
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Predisposição a cáries dentárias
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Parestesias (na deficiência de B12)
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Icterícia, colúria
História gestacional e neonatal:
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Dieta materna deficiente em ferro e não suplementação de ferro na gravidez e lactação. Destaca-se que a anemia materna na gestação está associada a parto prematuro, baixo peso ao nascer e aumento da mortalidade perinatal e neonatal.
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Intercorrências na gestação (hemorragias), multiparidade, problemas no trabalho de parto ou no parto, clampeamento precoce do cordão, prematuridade, baixo peso ao nascer.
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Intercorrências no período neonatal, incluindo histórico de anemia, icterícia, fototerapia ou transfusão de sangue.
História alimentar
O histórico alimentar deve incluir uma revisão da ingestão de alimentos com foco em nutrientes essenciais, como ferro, folato, vitamina B12 e, em lactentes, detalhar a dieta láctea.
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Uso exclusivo de leite de vaca antes dos 12 meses (associa-se à deficiência de ferro).
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Ausência ou baixa adesão à suplementação profilática recomendada com ferro medicamentoso
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Amamentação exclusiva sem suplementação de ferro após 6 meses.
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Dieta pobre em alimentos ricos em ferro (carne vermelha, feijão, vegetais verde-escuros).
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Dietas restritivas sem suplementação.
Antecedentes patológicos
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Histórico de doenças crônicas (doenças renais, hepáticas, hipotireoidismo, hipogonadismo ou outras comorbidades (infecções persistentes, doenças inflamatórias, autoimunes, neoplásicas).
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Infecções agudas (parvovírus B19, CMV, EBV, malária).
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História de hospitalizações, cirurgias, transfusões prévias.
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Exposição a medicamentos, produtos químicos, toxinas ou oxidantes
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Perdas de sangue, como epistaxe, sangramento gastrointestinal ou, em mulheres jovens, hipermenorreia.
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Histórico de trauma
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Viagens recentes
História familiar:
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Investigar o histórico de anemia hereditária na família (talassemia, anemia falciforme, esferocitose etc.), presença de icterícia, esplenomegalia, cálculos biliares, doenças sanguíneas ou autoimunes, distúrbios hemorrágicos, esplenectomia ou colecistectomia.
História social e ambiental
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Condições socioeconômicas: Influenciam o acesso a uma dieta balanceada.
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Exposição ambiental (condições precárias de saneamento básico): maior risco de infecções ou parasitoses.
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Regiões endêmicas: Malária, anemias hereditárias: Talassemias (origem no mediterrâneo); anemia falciforme (afro descendentes).
Exame Físico
O exame físico pediátrico permite a identificação de sinais específicos, tanto sistêmicos quanto localizados, que orientam a investigação das possíveis causas e contribuem de maneira decisiva para o esclarecimento etiológico. Os achados clínicos variam conforme a gravidade e o tempo de evolução da anemia. Diferentemente das anemias crônicas, os casos mais agudos e graves, cursam com exacerbação de sintomas relacionados à hipóxia e à descompensação hemodinâmica (palidez, taquipneia, taquicardia, hipotensão arterial, déficit de perfusão e sopro cardíaco).
Avaliação geral
- Aspecto geral:
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Letargia, irritabilidade ou prostração.
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Retardo de crescimento ou desnutrição em anemias crônicas.
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Dismorfismo facial sugestivo de síndromes genéticas associadas à anemia (Síndrome de Noonan, Síndrome de Turner, Síndrome de Diamond-Blackfan; Síndrome de Fanconi, Fácies talassêmica).
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Estomatite angular
Pele e anexos
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Palidez: Avaliação em locais de boa vascularização (conjuntivas, palma das mãos, leito ungueal, mucosa oral). O grau de palidez pode sugerir a gravidade da anemia.
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Icterícia: Sugere hemólise (anemias hemolíticas hereditárias ou adquiridas). A intensidade pode variar de subclínica a evidente.
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Petéquias, púrpuras e equimoses (indicativas de trombocitopenia associada à aplasia medular ou doenças mieloproliferativas).
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Unhas: Coiloníquia (unhas em forma de colher) em anemias ferroprivas crônicas, unhas quebradiças e rugosas.
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Cabelos: Opacos ou quebradiços, associados à deficiência nutricional.
Linfonodos
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Linfadenopatia: pode indicar infecções crônicas ou condições oncohematológicas.
Sistema cardiovascular
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Frequência cardíaca: Taquicardia.
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Sopros sistólicos funcionais em anemias graves (hiperdinâmicos).
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Déficit de perfusão periférica
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Pressão arterial: Hipotensão em casos de anemia aguda e grave.
Sistema respiratório
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Taquipneia: resposta fisiológica de compensação em anemias graves, na ausência de outras alterações pulmonares.
Abdome
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Esplenomegalia: comum em anemias hemolíticas (ex.: anemia falciforme, talassemias, esferocitose hereditária) ou doenças oncohematológicas.
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Hepatomegalia: sugere doenças sistêmicas, como infecções congênitas ou mieloproliferativas (ex.: leucemias).
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Sinais de ascite ou massas abdominais: indicativos de doenças neoplásicas.
Sistema musculoesquelético
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Deformidades ósseas: Bossas frontais ou alterações craniofaciais podem ser vistas em talassemias graves devido à expansão medular.
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Dor óssea pode estar associada a leucemias ou anemias graves com alterações hematopoiéticas.
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Fraqueza muscular: Sugerida pela dificuldade em manter atividades cotidianas.
Sistema nervoso
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Alterações neurológicas: Parestesias ou déficit motor em casos de deficiência de vitamina B12.
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Irritabilidade e déficit de atenção em anemias nutricionais crônicas.
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Tônus e reflexos: Alterações na avaliação podem indicar doenças metabólicas ou hereditárias.
Mucosas e cavidade oral
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Língua: Glossite (língua lisa e brilhante) em deficiência de ferro ou vitamina B12.
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Presença de úlceras dolorosas pode indicar deficiência nutricional.
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Gengivas: Sinais de sangramento espontâneo em casos de trombocitopenia associada.
Sinais específicos
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Sinais de infecção: Febre, linfadenopatia.
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Edema: Pode estar presente em anemias graves por insuficiência cardíaca de alto débito.
Diagnóstico Laboratorial
A investigação laboratorial das anemias na infância é indispensável para confirmar o diagnóstico e diferenciar as possíveis etiologias. Após a coleta de informações e a realização do exame físico, é fundamental selecionar de forma direcionada os exames complementares necessários para validar as hipóteses diagnósticas. A integração dos dados clínicos (anamnese associada ao exame físico) com os resultados laboratoriais permite identificar a provável causa da anemia e orientar o plano terapêutico de maneira eficaz.
Hemograma
Identifica se as alterações são exclusivas da série vermelha ou se há alterações concomitantes nas contagens de leucócitos e plaquetas.
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Hemoglobina e Hematócrito: determinam a presença e a gravidade da anemia.
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Índices Hematimétricos: VCM (Volume Corpuscular Médio) classifica a anemia como microcítica, normocítica ou macrocítica; HCM (Hemoglobina Corpuscular Média) indica a coloração das hemácias (hipocrômicas ou normocrômicas); RDW (Red Cell Distribution Width): o índice elevado indica anisocitose (variação significativa no tamanho das hemácias).
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Contagem de reticulócitos: diferencia entre anemia hipoproliferativa (baixa produção medular) e anemia regenerativa (por perda sanguínea ou hemólise). Valores de referência: (percentual 0,5% a 2% ou em número absoluto 25.000-85.000/mm3).
Eletroforese de Hemoglobina
- Diagnóstico de hemoglobinopatias:
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Talassemias: Presença de HbA2 elevada na β-talassemia.
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Anemia Falciforme: HbS predominante.
Marcadores de Hemólise
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Bilirrubina Indireta: elevada em hemólise.
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Lactato Desidrogenase (LDH): marcador de lise celular.
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Haptoglobina: Proteína responsável pelo transporte de hemoglobina livre no sangue. Em casos de hemólise intravascular, forma-se um complexo hatpoglobina-hemoglobina, deixando os níveis de haptoglobina livre mais reduzidos.
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Teste de Coombs Direto: Positivo em casos de hemólise autoimune.
Exames Bioquímicos
- Cinética do Ferro:
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Ferritina sérica: Indica reserva de ferro. É o primeiro parâmetro a se alterar (ocorre redução da ferritina na deficiência de ferro). (referência: 15 - 200 ng/mL). *Atenção para o fato de a ferritina ser também um marcador de fase aguda (pode estar elevada em inflamações).
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Ferro Sérico: Avalia os níveis de ferro circulante. Reduzido na deficiência de ferro. Sua redução começa a aparecer após o esgotamento dos estoques. (referência: 50 - 150 μg/dL).
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Capacidade Total de Ligação do Ferro: Avalia a capacidade de transporte de ferro. Seu valor está elevado na deficiência de ferro (referência: 250 - 400 μg/dL).
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Saturação de Transferrina: Valores baixos na deficiência de ferro. (referência: 20 - 50%)
- Avaliação de Vitaminas
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Vitamina B12 e Ácido Fólico: Confirmam deficiências relacionadas a anemias macrocíticas.
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Homocisteína e Ácido Metilmalônico: Na deficiência de vitamina B12, ambos estão elevados. Na deficiência de folato, somente a homocisteína se eleva, o que ajuda a diferenciar essas condições.
- Função renal: Avaliam anemias secundárias a doenças renais: ureia e creatinina.
- Função hepática: avaliação de doenças hepáticas associadas à anemia: enzimas hepáticas, bilirrubinas, albumina, tempo de protrombina, INR.
- Coagulograma
Exames Microbiológicos
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Parvovírus B19: Sorologia ou PCR em casos de crise aplásica.
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Outros vírus associados à anemia: CMV, EBV, HIV, HTLV-1
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Teste para Malária: Gota espessa ou teste rápido.
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Exame Parasitológico de Fezes (EPF): Identifica parasitoses causadoras de anemia (ancilostomíase, esquistossomose, estrongiloidíase).
Esfregaço de Sangue Periférico
- Análise Morfológica:
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Microcitose e hipocromia: Deficiência de ferro ou talassemias.
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Drepanócitos: Anemia falciforme.
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Esferócitos: Esferocitose hereditária.
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Eliptócitos, esquizócitos
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Policromasia
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Corpúsculos de Howell-Jolly: Função esplênica comprometida (indica hipoesplenismo ou ausência do baço)).
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Presença de corpos de Heinz: Deficiência de G6PD.
Testes Genéticos e Enzimáticos
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Teste para Deficiência de G6PD por análise enzimática.
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Teste de Fragilidade Osmótica: Diagnóstico de esferocitose hereditária.
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Análise Molecular: Identifica mutações em doenças hereditárias.
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Metodologias de sequenciamento de DNA: captura de genes direcionada (painéis de genes, sequenciamento de exoma completo; sequenciamento do genoma completo.
Avaliação Medular
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Mielograma ou Biópsia de Medula Óssea: Indicados em pancitopenias, suspeitas de leucemias ou aplasia medular.
Profilaxia e Tratamento da Anemia Ferropriva
Profilaxia
A suplementação rotineira de ferro no lactente, visa à profilaxia da anemia ferropriva e varia de acordo com:
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O tipo de aleitamento
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A idade gestacional ao nascer
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O peso ao nascer
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A existência ou não de fatores de risco
1. Está indicada com início a partir de 30 dias de vida para recém-nascidos a termo com peso de nascimento inferior a 2500 g e recém-nascidos pré-termo:
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Recém-nascidos a termo com peso de nascimento inferior a 2500 g: suplementação de ferro na dose de 2 mg de ferro elementar/kg/dia
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Recém-nascidos pré-termo com peso de nascimento maior que 1500 g: suplementação de ferro na dose de 2 mg de ferro elementar/kg/dia
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Recém-nascidos pré-termo com peso de nascimento entre 1000 e 1500 g: suplementação de ferro na dose de 3 mg de ferro elementar/kg/dia
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Recém-nascidos pré-termo com peso de nascimento menor que 1000 g: suplementação de ferro na dose de 4 mg de ferro elementar/kg/dia
2. Está indicada, com início a partir de 90 dias de vida, para recém-nascidos a termo com peso de nascimento superior a 2500 g com fatores de risco**:
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Recém-nascidos a termo com peso de nascimento superior a 2500 g com fatores de risco**: suplementação de ferro na dose de 1 mg de ferro elementar/kg/dia
**Baixa reserva materna (gestações múltiplas, dieta materna deficiente em ferro, perdas sanguíneas na gestação, não suplementação de ferro na gravidez e lactação); Clampeamento do cordão umbilical antes de um minuto de vida; Alimentação complementar com alimentos pobres em ferro ou de baixa biodisponibilidade; Consumo de leite de vaca antes de um ano de vida; Ausência ou baixa adesão à suplementação profilática com ferro medicamentoso; Doenças crônicas.
3. Está indicada rotineiramente para todos os lactentes, com início a partir de seis meses de vida, conforme o esquema a seguir:
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Recém-nascidos a termo com peso adequado para a idade gestacional: suplementação de ferro na dose de 1 mg de ferro elementar/kg/dia
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Recém-nascidos a termo com peso de nascimento inferior a 2500 g e recém-nascidos pré-termo com peso de nascimento maior que 1500 g: suplementação de ferro na dose de 2 mg de ferro elementar/kg/dia
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Recém-nascidos pré-termo com peso de nascimento entre 1000 a 1500 g: suplementação de ferro na dose de 3 mg de ferro elementar/kg/dia
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Recém-nascidos pré-termo com peso de nascimento inferior a 1000 g: suplementação de ferro na dose de 4 mg de ferro elementar/kg/dia
4. Está indicada rotineiramente para todos os lactentes, a partir 12 meses de idade até completar 2 anos, visando dar continuidade à profilaxia da anemia ferropriva do lactente, a suplementação profilática de ferro de 1 mg/kg/dia de ferro elementar, para todos os lactentes (independente do tipo de aleitamento, da idade gestacional ao nascer, do peso ao nascer ou da existência de fatores de risco).
Tratamento
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Dose: 3 a 6 mg/kg/dia de ferro elementar (fracionado ou em dose única diária)
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Duração de tratamento: Manter o tratamento por seis meses ou até reposição dos estoques corporais (*).
(*) normalização da Hemoglobina, VCM, HCM, ferro sérico, saturação da transferrina e ferritina sérica.
Cerca de 30 a 45 dias após o início do tratamento, checar sua eficácia por meio de hemograma e contagem de reticulócitos. É esperada a elevação da taxa de reticulócitos e o aumento da hemoglobina em pelo menos 1,0 g/dL.
LEIA MAIS...
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SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Consenso sobre anemia ferropriva: atualização – destaques 2021. Diretrizes. N° 2, Junho de 2018 (atualizado em 26.08.21). Sociedade Brasileira de Pediatria, Departamento Científico de Nutrologia e Hematologia, 2021. Disponível em: https://www.sbp.com.br. Acesso em: 10 dez. 2024.
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SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Consenso sobre Anemia Ferropriva: mais que uma doença, uma urgência médica! Diretrizes. N° 2, Junho de 2018 (atualizado em 24.07.18). Sociedade Brasileira de Pediatria, Departamento Científico de Nutrologia e Hematologia. Disponível em: https://www.sbp.com.br. Acesso em: 10 dez. 2024.
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GALLAGHER, Patrick G. Anemia in the pediatric patient. Blood, v. 140, n. 6, p. 571-593, 2022. Disponível em: https://ashpublications.org. Acesso em: 10 dez. 2024.
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