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DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS

Distúrbios Hidroeletrolíticos

Os distúrbios do equilíbrio eletrolítico são alterações nas concentrações séricas dos principais íons plasmáticos, com graves repercussões na homeostase do organismo. Destacam-se o sódio (Na+), potássio (K+), cálcio (Ca++), magnésio (Mg++) e fosfato (PO4---). Esses íons desempenham papéis vitais na manutenção do equilíbrio hídrico, na condução do impulso nervoso, na contração muscular, no funcionamento renal, além de outros processos fisiológicos. Qualquer desequilíbrio na concentração desses elementos pode causar uma ampla gama de sintomas e complicações. 

Distúrbios da concentração do Sódio e da Homeostase da Água

Na maioria dos casos, os distúrbios do sódio constituem alterações da regulação da homeostase da água. Muitas vezes, é a movimentação da água que irá determinar alterações da natremia e mudanças da osmolaridade sérica. A regulação da concentração sérica de sódio (natremia) envolve a capacidade renal de concentração e diluição da urina, o mecanismo da sede e o livre acesso à ingestão de água.

Faixa de normalidade do sódio sérico: 135 a 145 mEq/L

Cálculo estimativo da osmolaridade plasmática

Posm = [(Na + 10) x 2] + (ureia x 0,166) + (glicose x 0,055)

onde: 
Posm = Osmolaridade plasmática em mOsm/kg H2O 
Na = Sódio em mEq/l ou mmol/l 

Ur = Ureia em mg/dl 
Gli = Glicose em mg/dl 

 

Valores de referência:

Neonatos: 266 a 295 mOsm/kg H2O
> 1 mês de idade: 275 a 295 mOsm/kg H2O

Como se pode observar, o sódio é o elemento mais significativo

na determinação da osmolaridade* e da tonicidade** plasmáticas.

 

*   Osmolaridade = concentração de solutos por unidade de volume de uma solução. É uma propriedade unicamente da solução.

** Tonicidade = efeito osmótico da concentração dos solutos de uma solução extracelular no sistema soluto-membrana. 

Hipernatremia

A hipernatremia é o desequilíbrio caracterizado pela concentração elevada do sódio plasmático. É definida quando o Na+ sérico está acima de 145 mEq/L. Pode ser causada por quadros de desidratação em que a perda hídrica é maior que a perda de sódio, como por exemplo em casos de vômitos, diarreia, febre prolongada, sudorese excessiva ou uma combinação desses fatores. Também pode ocorrer devido à ingestão insuficiente de água ou dificuldades na amamentação em caso de aleitamento materno. Outra possibilidade é a ingesta aumentada de sódio (uso de leite de vaca integral, fórmulas lácteas mais concentradas, ingesta de outros líquidos ou alimentos hipersalinos). Uma condição específica que pode levar à hipernatremia é o diabetes insipidus, embora seja uma condição rara em crianças. A falta do hormônio antidiurético (ADH) ou a falha de sua ação nos túbulos renais, leva à excreção excessiva de água pela urina. 

Hipernatremia 

Leve: Na+ 146 a 150 mEq/L

Moderada: Na+ 151 a 159 mEq/L

Grave: Na+ ≥ 160 mEq/L

Diante de um quadro de hipernatremia é fundamental avaliar o status da volemia da criança, verificando se o paciente se encontra hipervolêmico (hiper hidratado, hipertenso), hipovolêmico (desidratado) ou normovolêmico (euvolêmico).

 

Na hipernatremia hipovolêmica ocorre perda significativa de água e sódio, porém, com perda desproporcionalmente maior de água em relação ao sódio, resultando em desidratação hipernatrêmica e diminuição da volemia. 

 

Na hipernatremia hipervolêmica ocorre ganho excessivo de sódio em relação à água, resultando em aumento do volume sanguíneo. A criança poderá apresentar sinais de congestão circulatória, edema e hipertensão arterial.

 

Quando ocorre hipernatremia normovolêmica (euvolêmica), a causa, geralmente é a baixa ingesta de água (mecanismo de sede prejudicado, acesso limitado à água, incapacidade de ingesta hídrica) ou perda de água livre por aumento das perdas insensíveis. O diabetes insipidus, condição em que ocorre redução na secreção ou falha na ação do hormônio antidiurético (vasopressina ou ADH), pode levar à hipernatremia normo ou hipovolêmica. Se caracteriza pela presença de hipernatremia com osmolaridade urinária baixa, devido ao excesso de água eliminada pela urina. O diabetes insipidus pode ser de origem central (responde à medicação DDAVP) ou nefrogênico (não responde ao DDAVP). O DDAVP ou Desmopressina (1‐deamino‐8‐D‐arginine vasopressin), é um análogo sintético do hormônio ADH.

O quadro clínico da hipernatremia pode variar de acordo com faixa etária da criança, a velocidade de instalação e o nível sérico de sódio. As crianças em fase pré verbal, por não poderem comunicar sua sede, dependem integralmente da atenção e percepção de seus cuidadores. Nos casos de hipernatremia leve (Na+ 146 a 150 mEq/L) a moderada (Na+ 151 a 159 mEq/L), os sintomas podem incluir sede intensa, sialosquese, oligúria, irritabilidade e letargia. Se o quadro for grave (Na+ ≥ 160 mEq/L), os sintomas podem incluir extrema sede, boca muito seca, oligoanúria, letargia ou sonolência, irritabilidade intensa, fraqueza muscular, convulsões, confusão mental, alucinações, até o coma.

O tratamento da hipernatremia leva em consideração o déficit de água e depende da causa subjacente e da gravidade do quadro. O objetivo principal é corrigir os níveis de sódio de forma segura e gradual, restringindo a ingesta de sódio e infundindo soluções hipotônicas (NaCl 0,45% ou SG 5%) ou ingesta controlada de água por via oral (quando o paciente está apto a ingeri-la). Recomenda-se reduzir a concentração plasmática de sódio em, no máximo, 0,5 mEq/L a cada hora (até o máximo de 10 a 12 mEq/L por dia). Uma correção mais rápida do que isso poderá desencadear edema cerebral ou a temida síndrome de desmielinização osmótica (ou mielinólise pontina central), uma síndrome desmielinizante grave do tronco encefálico, causada por alterações rápidas da osmolaridade plasmática, em especial da concentração do íon sódio. 

Se o paciente estiver desidratado (hipovolêmico), o primeiro passo é corrigir a desidratação por meio de hidratação venosa (fase de expansão), utilizando solução salina isotônica (soro fisiológico) para recompor a volemia (até que o paciente apresente diurese satisfatória).

 

Após isso, iniciar a reposição do déficit de água, utilizando solução salina hipotônica (cloreto de sódio 0,45% ou soro glicosado 5% puro), valendo-se da fórmula de Adrogue-Madias:

∆ Na+  =   Na+ atual – [Na+] infundido (mEq/L)

                                                 

                                             (Peso x 0,6) + 1

Essa fórmula calcula qual será a variação na concentração sérica de sódio (delta sódio) se for infundido 1 (um) litro da solução hipotônica escolhida para a correção (NaCl 0,45% ou SG 5%).

Concentração de Na+ em mEq/L das principais soluções utilizadas:

- NaCl 0,9% (soro fisiológico) = 154 mEq/L

- NaCl 0,45% = 77 mEq/L de Na+

- SG 5% = 0 (zero) mEq/L de Na+

Como exemplo, vejamos o caso de um pré escolar euvolêmico, 4 anos de idade, pesando 15 kg, hospitalizado e sem condições de ingesta hídrica por via oral. O sódio sérico é de 159 mEq/L. A solução a ser utilizada na correção será NaCl 0,45% e a meta estabelecida pela equipe, é reduzir 10 mEq/L da natremia, em 24 horas (o máximo que eu posso corrigir é 12 mEq/L por dia).

Então:

- Sódio atual = 159 mEq/L;

- Concentração (mEq/L) NaCl 0,45%: Na+ = ​77 mEq/L

- Peso da criança = 15 Kg

Aplicando a fórmula, temos:  

∆ Na+ = 159 - 77  / (15 x 0,6) + 1  

∆ Na+ = 82  / 10    

∆ Na+ = 8,2 

OK, mas o que significa esse valor de 8,2? Resposta: Significa que, após a administração de 1 litro da solução de NaCl 0,45%, a natremia será reduzida em 8,2 mEq/L. Ou seja: 159 - 8,2 = 150,8 mEq/L (após o paciente receber 1 litro dessa solução, sua natremia vai reduzir para 150,8 mEq/L).

 

Mas, a meta é reduzir 10 mEq/L (e não 8,2)! Então, qual volume da solução deverá ser infundido em 24 horas para reduzir 10 mEq/L em sua natremia?

 

Basta aplicar uma regra de três simples:

 1.000 ml ------------ 8,2 mEq/L

      x  ------------------10 mEq/L

      x = 1.219 ml 

 

Concluindo: a infusão 1.219 ml de solução NaCl 0,45% em 24 horas irá reduzir a natremia em 10 mEq/L, ou seja a concentração do sódio sérico irá reduzir de 159 mEq/L para 149 mEq/L, após 24 horas.

Hiponatremia

A hiponatremia é o desequilíbrio caracterizado pela baixa concentração do sódio plasmático (Na+ sérico abaixo de 135 mEq/L). Ela ocorre, de um modo geral, devido à retenção de água livre ou de líquidos hipotônicos ou ainda pela perda desproporcionalmente maior de sódio em relação à água. É o distúrbio eletrolítico mais comum em pacientes hospitalizados, sendo frequentemente assintomático. Quando sintomático, o quadro pode ser inicialmente inespecífico e suas manifestações clínicas dependem da doença de base, da concentração do sódio e da velocidade de instalação. Por isso, a monitorização do sódio sérico se torna extremamente importante em crianças internadas.

Hiponatremia 

Leve: Na+ 130 a 135 mEq/L

Moderada: Na+ 120 a 130 mEq/L

Grave: Na+ < 120 mEq/L

Na presença de hiponatremia, o status da volemia da criança deve ser avaliado, verificando se o paciente se encontra hipervolêmico, hipovolêmico ou normovolêmico (euvolêmico).

A hiponatremia hipovolêmica resulta de condições em que ocorrem perdas significativas tanto de sódio como de água, porém, a perda de sódio é desproporcionalmente maior em relação à perda de água. A perda de volume pode ser renal ou extrarrenal. Quando as perdas são extrarrenais (diarreia, vômitos, perdas cutâneas por queimadura, perdas por tubos e drenos), o sódio urinário é baixo (menor que 20 mEq/L). Por outro lado, quando as perdas são renais (diuréticos tiazídicos, hipoaldosteronismo, nefropatias perdedoras de sal), o sódio urinário está aumentado (acima de 20 mEq/L).

 

Na hiponatremia hipervolêmica, o conteúdo de água está desproporcionalmente mais alto que o sódio. Frequentemente, o paciente se encontra edemaciado (síndrome nefrótica, ICC e insuficiência hepática).

Quando ocorre hiponatremia normovolêmica (euvolêmica), não há evidência nem de depleção nem de excesso de volume. Essa forma pode ocorrer em casos de ingesta hídrica excessiva (osmolaridade urinária baixa) ou na síndrome de secreção inapropriada de ADH (SIADH) em que a osmolaridade urinária estará caracteristicamente elevada com sódio urinário acima de 30 mEq/L, devido à acentuada reabsorção de água nos túbulos renais.

Como vimos,  a hiponatremia pode ser assintomática. Quando presentes, os sintomas variam de acordo com a concentração do sódio plasmático, com a velocidade de instalação do quadro e com a doença de base. Nos quadros mais leves a moderados (sódio entre 125 -130 mEq/L) o paciente poderá ter náuseas e sensação inespecífica de mal estar. Quando o sódio atinge valores menores que 120 mEq/L, podem ocorrer vômitos, zumbido, cefaleia com evolução para letargia, fadiga e câimbras. A evolução mais temida é a encefalopatia hiponatrêmica (edema cerebral/herniação cerebral) onde a criança pode apresentar alterações comportamentais, confusão mental, convulsões, coma, depressão respiratória, postura de decorticação e óbito.

O objetivo do tratamento da hiponatremia aguda em pediatria é corrigir gradualmente o nível de sódio no sangue, evitando correções rápidas, pois estas podem causar complicações neurológicas, tais como a síndrome de desmielinização osmótica. Recomenda-se elevar a concentração plasmática de sódio em até 0,5 mEq/L a cada hora (máximo de 8 a 10 mEq/L por dia).

 

Como medidas de tratamento iniciais, estão o tratamento da doença de base e a restrição hídrica. Esta última é corresponde ao controle da administração de líquidos seja por via oral ou endovenosa. Um critério que pode ser utilizado para a restrição hídrica diária é limitar a oferta de líquidos ao volume estimado de perdas insensíveis (400 ml/m2 de superfície corporal) somadas à diurese anterior. Ou então, de forma mais simples é restringir a administração de líquidos a 50 a 75% das necessidades hídricas diárias. Para o sucesso desse manejo é fundamental o controle rigoroso do balanço hídrico. É necessário destacar que, especificamente na hiponatremia hipovolêmica, a restrição hídrica não é a primeira abordagem terapêutica. Nesse caso, a hidratação venosa de expansão com infusão de solução salina isotônica (soro fisiológico) é prioritária para corrigir a desidratação e restaurar o volume sanguíneo adequado.

Nos casos graves de hiponatremia, deve-se considerar a infusão de NaCl 3%, que possui 513 mEq/L de sódio, fazendo o cálculo pela fórmula de Adrogue-Madias:

∆ Na+  =  [Na+] infundido (mEq/L) – Na+ atual / (Peso x 0,6) + 1

Essa fórmula calcula qual será a variação na concentração sérica de sódio (delta sódio) se for infundido 1 (um) litro da solução hipertônica escolhida para a correção (NaCl 3% = 513 mEq/L).

Preparo da solução de NaCl 3%: proporção de 15 mL de NaCl 20% + 85 mL de AD

Como exemplo, vejamos o caso de um lactente 1 ano e 6 meses de idade, pesando 12 kg, hospitalizado e sem condições de ingesta hídrica por via oral. O sódio sérico é de 119 mEq/L. A solução a ser utilizada na correção será NaCl 3% e a meta estabelecida pela equipe, é elevar a natremia em 10 mEq/L (aumentar a natremia de 119 para 129 mEq/L), em 24 horas (a recomendação é elevar no máximo 8 a 10 mEq/L por dia).

Então:

- Sódio atual = 119 mEq/L;

- Concentração em mEq/L do sódio a ser infundido (NaCl 3%) = ​513 mEq/L

- Peso da criança = 12 Kg

Aplicando a fórmula, temos:  

∆ Na+ = 513 - 119  / (12 x 0,6) + 1  

∆ Na+ = 394/ 8,2    

∆ Na+ =  48

- OK, mas o que significa esse valor de 48? 

- Resposta: Significa que, se fosse administrado 1 litro da solução de NaCl 3%, a natremia seria elevada em 48 mEq/L.

  Ou seja: 119 + 48 = 167 mEq/L (após o paciente receber 1 litro dessa solução, sua natremia iria subir para 167 mEq/L).

 

Mas, se deseja elevar apenas 10 mEq/L (e não 48!).

Então, qual volume da solução deverá ser infundido em 24 horas para elevar em 10 mEq/L sua natremia?

 

Basta aplicar uma regra de três simples:

1.000 ml -------------- 48 mEq/L

X  ------------------------ 10 mEq/L

X = 208,3 ml 

 

Concluindo: a infusão 208,3 ml de solução NaCl 3% em 24 horas irá elevar a natremia em 10 mEq/L, ou seja a concentração do sódio sérico irá subir de 119 mEq/L para 129 mEq/L, após 24 horas.

Observações:

Em caso de emergência (convulsão, rebaixamento do nível de consciência) aplicar 1-2 mL/Kg de NaCl 3% (máximo de 100 mL) em bolus durante 10 minutos, ou então, 2-4 mL/Kg de NaCl 3% em 1 h. Descontinuar a infusão rápida de NaCl 3% assim que houver melhora da sintomatologia (melhora da crise convulsiva e do nível de consciência).

Em casos de hiponatremia causada por SIADH, ou em casos de hiponatremia hipervolêmica com edema, considerar o uso de diurético de alça (furosemida) associado à restrição hídrica e infusão de solução de NaCl 3%. O efeito aquarético da furosemida pode ser útil como medida complementar no tratamento, mas sua indicação deve ser bem avaliada.​

LEIA MAIS...

  1. Zieg J, Ghose S, Raina R. Electrolyte disorders related emergencies in children. BMC Nephrol. 2024;25(1):282. doi: 10.1186/s12882-024-03725-5. PMID: 39215244; PMCID: PMC11363364. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC11363364/pdf/12882_2024_Article_3725.pdf. Acesso em: [05/11/2024].

  2. Mazzolai M, Apicella A, Marzuillo P, Rabach I, Taddio A, Barbi E, Cozzi G. Severe hyponatremia in children: a review of the literature through instructive cases. Minerva Pediatr (Torino). 2022;74(1):61-69. doi: 10.23736/S2724-5276.21.05856-4. Epub 2021 Apr 2. PMID: 33820399.

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  4. Corsello A, Malandrini S, Bianchetti MG, et al. Sodium assessment in neonates, infants, and children: a systematic review. Eur J Pediatr. 2022;181(9):3413-3419. doi: 10.1007/s00431-022-04543-3. Epub 2022 Jul 12. PMID: 35821131; PMCID: PMC9395449.

  5. GOMES, C. P. (org.); ANDRADE, L. (org.); GRACIANO, M. L. (org.); ROCHA, P. N. (org.). Distúrbios do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido base: diagnóstico e tratamento. Barueri: Manole, 2020.

  6. BARBOSA, A. P.; SZTAJNBOK, J. Distúrbios hidroeletrolíticos. J. pediatr. (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 75, n. 2, sup. 2, p. S223-S233, 1999..

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